Gratidão
A gratidão desbloqueia a abundância da vida. Ela torna o que temos em suficiente, e mais. Ela torna a negação em aceitação, caos em ordem, confusão em claridade. Ela pode transformar uma refeição em um banquete, uma casa em um lar, um estranho em um amigo. A gratidão dá sentido ao nosso passado, traz paz para o hoje, e cria uma visão para o amanhã.
Melody Beattie
A gratidão é a arte de calar nossos desejos dando-nos a exata dimensão do quanto temos e não percebemos.
Ser grato cessa os conflitos íntimos, promove o armistício da criatura com a vida.
A gratidão é um estado emocional elevado em que a criatura experimenta a saciedade nas coisas que possui, mesmo que não viva na opulência.
Quando vivemos com sede e fome do desnecessário a paz nos falta. Experimentamos uma espécie de angústia que se equipara a uma asfixia interior, é o desejo desmedido que furta o sono e promove o apego. É o inimigo íntimo que aflora como se surgisse no deserto, onde nada satisfaz, aumentando a sede que tem nome de ganância, que é alimentada pela ambição.
A narrativa a seguir, de um autor desconhecido, ilustra muito bem o que a falta de gratidão promove no comportamento humano:
Depois de um dia de caminhada pela mata, mestre e discípulo retornavam ao casebre, seguindo por longa estrada. Ao passarem próximos a uma moita de samambaia, ouviram um gemido. Verificaram e descobriram um homem caído.
Estava pálido e com uma grande mancha de sangue, próxima ao coração. Tinha sido ferido e já estava próximo da inconsciência. Com muita dificuldade, mestre e discípulo o carregaram para o casebre rústico, onde viviam. Lá trataram do ferimento. Uma semana depois, já restabelecido, o homem contou que havia sido assaltado e que ao reagir fora ferido por uma faca. Disse também que conhecia seu agressor, e que não descansaria enquanto não se vingasse. Disposto a partir, o homem disse ao sábio: “Senhor, muito lhe agradeço por ter salvado a minha vida. Tenho que partir e levo comigo a gratidão por sua bondade. Vou ao encontro daquele que me atacou e vou fazer com que ele sinta a mesma dor que senti”.
O mestre olhou fixo para o homem e disse:
- Vá e faça o que deseja. Entretanto, devo informa-lo de que você me deve três mil moedas de ouro, como pagamento pelo tratamento que lhe fiz.
O homem ficou assustado e disse:
- Senhor, é muito dinheiro. Sou um trabalhador e não tenho como lhe pagar esse valor!
Com serenidade, tornou a falar o sábio:
- Se não pode pagar pelo bem que recebeu, com que direito quer cobrar o mal que lhe fizeram?
O homem ficou confuso, e o mestre concluiu:
- Antes de cobrar alguma coisa, procure saber quanto você deve. Não faça cobrança pelas coisas ruins que aconteçam em sua vida, pois a vida pode lhe cobrar tudo de bom que lhe ofereceu.
A felicidade do homem no mundo deveria ser a posse do que lhe é necessário para viver. Entretanto, muitos alcançam a posse do necessário, mas a ilusão acena com a possibilidade de prazeres maiores, então, o homem incauto atira-se à conquista do que não necessita, e nessa contenda perde a paz.
Para alguns, o necessário é a manutenção de uma vida física com dignidade, para outros, o mundo todo não seria suficiente para atenuar sua sede de poder.
O sentimento de gratidão e aceitação é como uma fonte de água cristalina que sacia e pacifica o coração humano.
Muitas situações dolorosas seriam postas a termo se o homem aceitasse que existem coisas que ele não pode transformar.
A rebeldia, a inconformidade com algumas situações promovem crimes e delitos de toda ordem que só agravam a saúde emocional das criaturas.
Onde falta aceitação e gratidão o orgulho reina absoluto, fazendo com que o homem se acredite credor de tudo e de todos.
Ser grato e resignado não é demonstração de fraqueza, pelo contrário, é a manifestação clara de que a maturidade emocional se revela.
O escritor e pinto alemão Hermamm Hesse nos convida a refletir em uma de suas frases que revela aguda inteligência e sensibilidade:
Só há felicidade se não exigirmos nada do amanhã e aceitarmos do hoje, com gratidão, o que nos trouxer. A hora mágica chega sempre.
A inconformação é um sinal claro de primarismo emocional, pois podemos nos indagar: O que temos de fato na vida, além do momento atual?
Somos movidos a sonhos, mas nem tudo que almejamos nós conquistaremos, e as frustrações dão aquele tempero especial para revelar a nossa limitada capacidade em relação à vida.
Ser grato e resignado é promover a pacificação e fechar a porta de acesso ao inimigo que furta a nossa paz.
Adeilson Salles, livro Inimigo Íntimo